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Percepções de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos sobre Proteção Popular e Proteção Institucional em Tempos de Ameaças Fascistas no Brasil

No marco dos 25 anos da Declaração das Nações Unidas sobre o Direito e a Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos ou Órgãos da Sociedade de Promover e Proteger os Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais Universalmente Reconhecidos (Declaração sobre Defensores/as de Direitos Humanos), a compreensão da necessidade de defensores e defensoras dos direitos humanos (doravante DDDHs) serem protegidos(as) na América Latina, e particularmente no Brasil, é imperativa para uma apreciação sobre o porquê de estratégias de proteção popular e das políticas públicas de proteção institucional terem sido concebidas no Brasil, tanto quanto de como tais práticas têm funcionado.

Há pouca pesquisa científica sobre a proteção popular de DDDHs brasileiros(as) ou acerca das experiências estatais de proteção de DDDHs no Brasil. Esta pesquisa se propôs a contribuir para o preenchimento de uma lacuna na literatura em relação às perceções de DDDHs sobre proteção popular e proteção institucional, assim como sua condição de defensor(a) dos direitos humanos em tempos de ameaças fascistas no Brasil. Isto posto, tem-se que esta pesquisa inquiriu acerca do processo social e político que levou à criação das experiências de proteção (popular e institucional) brasileiras, como tais experiências vem sendo desenvolvidas, quem são seus beneficiários, quais são seus efeitos mais amplos e principais desafios, e o que pode ser feito para melhorá-las. É, assim, necessária porque tem implicações teóricas e práticas uma vez que aborda questões que são de interesse para DDDHs, movimentos sociais e populares, acadêmicos/as, gestores/as públicos, e legisladores/as envolvidos/as na construção de políticas públicas de direitos humanos.

O Brasil é um país pós-colonial que ainda enfrenta um cenário de autoritarismo social e suas características mais marcantes tais como pobreza, exclusão, desigualdade(s) e violência(s). Há, também, a questão do capitalismo periférico brasileiro, no qual o Estado enfrenta dificuldades não somente para regular o processo de acumulação do capital, mas também para mediar os diversos conflitos (classe, gênero, raça, competição etc.) reveladores das contradições existentes na histórica conjuntura de autoritarismo social. A incapacidade do Estado brasileiro em controlar o capitalismo predatório tem, portanto, contribuído para o aumento das desigualdades e manutenção dos problemas estruturais que inviabilizam a construção de um regime de direitos humanos nacional. Adicionando-se a isso as atuais ameaças fascistas tem-se um panorama autoritário no qual há altos índices de violência contra DDDHs, posto que são eles/as que questionam o status quo, organizando e conduzindo importantes lutas por democracia, direitos humanos e justiça social.

Um termo de referência foi formulado para a pesquisa sobre temas de interesse relacionados aos/às DDDHs, em diálogos com as redes nacionais de direitos humanos que atuam com aquela temática. Como objetivo geral, a pesquisa concentrou-se em diagnosticar a situação de DDDHs com a finalidade de recolher subsídios para a orientação de ações de proteção popular e de proteção institucional por parte da política pública de proteção a DDDHs. Como objetivos específicos, a pesquisa buscou (a) sistematizar as percepções a respeito das principais manifestações e as causas do risco (ameaça e perigo) à atuação de DDDH; (b) mapear as principais estratégias e metodologias de ação da realização da proteção popular de DDDHs desenvolvidas nas organizações e movimentos populares; e (c) sistematizar a percepção dos limites da atuação da proteção institucional e recolher propostas de ação para a qualificação da política pública de proteção a DDDHs.

Os/as interlocutores/as foram pessoas defensoras dos direitos humanos de entidades e movimentos sociais e populares que integram organizações que atuam com Direitos Humanos, cujas ações voltam-se não somente à luta por democracia, justiça social e direitos humanos, mas também às articulações nacionais e internacionais para a efetiva proteção de DDDHs ameaçados/as e/ou em situação de vulnerabilidade.

Os instrumentos de coleta de dados para a pesquisa foram roteirizados para facilitar a coleta de dados empíricos, assim como para melhor demarcar os objetivos geral e específicos previamente estabelecidos para o estudo. Utilizou-se de roteiro estruturado e roteiro semiestruturado (entrevistas), levando-se em conta, para sua aplicação, as circunstâncias da pesquisa de campo e variáveis diversas tais como prazos para a coleta de dados, disponibilidade de interlocutores/as e viabilidade de tecnologias (internet) para entrevistas online. Realizou-se, ainda, análise documental, de forma a identificar padrões nas ações das entidades de direitos humanos que atuam na proteção popular de DDDHs, assim como os dados gerais apresentados pelo Programa de Proteção aos Defensores/as de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH-Federal) sobre a demanda e efetivo atendimento de DDDHs que sofrem ameaças ou se encontram em situação de extrema vulnerabilidade em razão de suas atividades por democracia, justiça social e direitos humanos.

No período de abril a novembro de 2023 foram realizadas 13 (treze) entrevistas presenciais e/ou virtuais, de acordo com a disponibilidade de cada um/a dos/as DDDHs. As entrevistas foram transcritas e revisadas, assim como foram utilizados métodos de redução de dados para um melhor manuseio e análise dos dados coletados. Todas as pessoas entrevistadas (interlocutores/as) foram anonimizadas por questões de segurança, posto serem DDDHs, e também em atendimento aos ditames da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei Federal n. 13.709/2018).

Em relação às percepções que DDDHs têm do risco (ameaça e perigo) presente no contexto imediato e mais amplo de sua atuação, a maioria dos/as entrevistados/as indicou que o risco (ameaça e perigo) para a atuação de DDDHs no contexto mais amplo de atuação é alto, grande ou enorme.A mesma tendência manteve-se quanto à atuação em suas localidades, posto que a maioria dos/as entrevistados/as indicou que o risco (ameaça e perigo) para a atuação de DDDHs no contexto imediato de atuação é alto, grande ou enorme. Observando-se as percepções que DDDHs têm das causas do risco (ameaça e perigo) contra DDDHs, a maioria dos/as entrevistados/as indicou os conflitos agrários pela terra e a violência policial como principais causas dos riscos (perigos e ameaças) que sofrem DDDH no Brasil. Entrevistados/as apontaram como principais aspectos dos riscos (ameaças e perigos) que mais impactam as individualidades de DDDHs os seguintes: desqualificação do/a DDH (“persona non grata”); incapacidade do/a DDH perceber as ameaças; marcadores individuais (ser mulher, gay, negro/a, indígena, etc); problemas de saúde mental; conflitos familiares; violência policial; e superexposição da liderança. Quanto aos principais aspectos dos riscos (ameaças e perigos) que mais impactam as coletividades de DDDHs, entrevistados/as indicaram os seguintes: criminalização individual e coletiva; violências institucionais (como a CPI do MST); divisão do coletivo; descontinuidade da luta; perda do território; problemas de saúde mental; e violência policial. Sobre de quem é que DDDHs sofrem risco, entrevistados/as indicaram as forças policiais, os latifundiários, as grandes empresas do agronegócio e os grandes grupos econômicos, parlamentares, crime organizado (donos do tráfico), milícias e membros do Judiciário como os/as principais ameaçadores/as de DDDH no Brasil. Analisando-se as percepções que DDDHs têm do risco (ameaça e perigo) específico pela condição de indígena, mulher, campesino/a e negro/a, vê-se que todos/as os/as entrevistados/as responderam haver maior risco (ameaça e perigo) para DDDHs por serem mulher, indígena, negro/a e/ou campesino/a no Brasil.

No tocante às estratégias e metodologias utilizadas pelos DDDH (individualidades e coletividades) na autoproteção, entrevistados/as indicaram diversas práticas como estratégias e metodologias usadas por DDDHs para sua autoproteção: nunca andar sozinho; evitar ficar em situação de risco e/ou nunca se expor demais, inclusive nas redes sociais; mudar caminhos com frequência; não usar redes sociais e/ou não deixar fotos das pessoas no site da organização; sempre avisar aos/às companheiros/as e à família onde e com quem o/a DDH está; não ir para o embate direto com o perpetrador; conhecer seu espaço de atuação (campo de luta); saber usar as palavras certas (comunicação) e/ou tomar cuidado com quem fala; morar em apartamento em vez de casa, usar carro branco (cor mais comum), e trabalhar em home office; não expor a família; e falar sempre em nome de um grupo, nunca individualmente. Além disso, entrevistados/as indicaram diversas práticas como estratégias e metodologias usadas por DDDHs para a autoproteção de sua coletividade: a realização de diálogo e/ou comunicação constantes com outros/as companheiros/as; fazer ações coletivas, de forma a direcionar o protagonismo para a coletividade e/ou evitar a personificação nas lutas, para deixar o foco na coletividade; construção de rede de solidariedade e articulação em rede; uso das redes sociais para dar visibilidade aos/às DDDHs; conhecer bem o espaço de atuação (campo de luta), desde a sede da entidade até áreas de atuação concreta; cuidado no trato das informações sensíveis; verificar a saúde mental de membros da coletividade; nunca andar sozinho e ter câmaras de segurança nas casas, mas dentro da comunidade; planejar bem as ações antes de ir ao território; isolamento social e distanciamento dos conflitos (guarani mbyá) e protagonismo nos conflitos (kaingang). Observando-se as estratégias e metodologias utilizadas pelos DDDH (individualidades e coletividades) de proteção recíproca (entre quem está diretamente envolvido no contexto de risco), entrevistados/as indicaram diversas práticas como estratégias e metodologias usadas entre DDDHs para a proteção recíproca: diálogo coletivo para construção de redes de proteção e solidarização dentro do território e/ou coletividade; desenvolvimento da confiança recíproca entre membros da coletividade; remoção dos/as DDDHs mais perseguidos/as da condição de “alvo”, transferindo-os/as do lugar, se preciso for, bem como a retirada das fotos de DDDHs ameaçados/as do site da entidade/organização/movimento; busca do apoio do Estado (proteção institucional); formação em pedagogia da proteção coletiva; a necessidade de se assegurar ferramentas jurídicas e políticas para proteger DDDHs ameaçados/as; evitar ir até a comunidade e ficar mais voltado ao trabalho interno na instituição; e aplicação de estratégias de cuidados. Adicionalmente, entrevistados/as enunciaram diversas práticas como estratégias e metodologias usadas por coletividades de DDHH para reciprocamente (troca mútua) se protegerem: diálogos constantes sobre proteção recíproca; diálogo coletivo para a proteção e construção de rede de solidariedade; articulação com redes de proteção externas (movimentos, organizações, DDDHs, instituições estatais etc.), inclusive para acompanhar/assessorar os programas de proteção aos/às indígenas; desenvolvimento da confiança recíproca entre membros da coletividade; formação em pedagogia da proteção coletiva; remoção dos/as DDDHs mais perseguidos/as da condição de “alvo”, transferindo-os/as do lugar, se preciso for, bem como a retirada das fotos de DDDHs ameaçados/as do site da entidade/organização/movimento; evitar ir até a comunidade e ficar mais voltado ao trabalho interno na instituição; aplicação de estratégias de cuidados evitar ir até a comunidade e ficar mais voltado ao trabalho interno na instituição; e busca de apoio do Estado (proteção institucional) e a criação de redes de proteção de DDDHs na coletividade (redes solidárias e de apoio emocional). Analisando-se as estratégias e metodologias utilizadas pelos DDDH (individualidades e coletividades) de proteção solidária (apoio solidário, de quem não está imediatamente envolvido no contexto de risco), entrevistados/as indicaram diversas práticas como estratégias e metodologias usadas entre DDDH para a proteção solidária: diálogo coletivo e construção de rede de solidariedade; sair do lugar de risco, nunca sair sozinho e/ou acionar o Judiciário e/ou as forças policiais; acolhimento de DDDHs removidos de outros Estados por estarem ameaçados/as; e aporte financeiro para ações emergenciais. Além disso, entrevistados/as indicaram diversas práticas como estratégias e metodologias usadas por coletividades de DDHH para se protegerem solidariamente: diálogo coletivo para a proteção e construção de rede de solidariedade; a realização de diagnóstico (análise de risco) e elaboração de plano de ação protetiva; a busca de apoio do Estado (proteção institucional), acionando-se o Poder Judiciário e/ou as forças policiais; e aporte financeiro. Sobre as relações entre as práticas de proteção popular e a proteção institucional, a maioria dos/as entrevistados/as indicou que não são satisfatórias.

No pertinente aos limites da proteção institucional, atuação e propostas para a qualificação da política pública de proteção a DDDH:entrevistados/as indicaram diversos aspectos limitadores da política de proteção institucional (PPDDH Federal ou Estaduais), tais como: baixo orçamento; falta de vontade política dos governos (federal e estaduais); proteção institucional condicionada às questões ideológicas que marcam os governos de plantão; a dificuldade do PPDDH (Federal ou Estaduais) em sensibilizar o/a DDH para que aceite sua condição de ameaçado/a; e incapacidade do PPDDH (Federal ou Estaduais) em viabilizar a construção coletiva das estratégias da política de proteção brasileira. Isto explica porque a maioria dos/as entrevistados/as indicou que a proteção institucional recebida por DDDHs de sua/seu instituição e/ou entidade e/ou coletivo e/ou movimento não tem sido satisfatória.

___________ Resumo executivo do relatório de pesquisa: TERTO NETO, Ulisses. Percepções de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos sobre Proteção Popular e Proteção Institucional em Tempos de Ameaças Fascistas no Brasil (Projeto Sementes de Proteção de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos & União Europeia, 2024).

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